27/04/09

Estendia-se feminina na quase maior cadeira de todas as cadeiras do castelo.

Estava morta na sala onde havia uma outra mulher que estava morta noutra cadeira ainda maior.

Como todas as mulheres mortas, aquelas eram belas e femininas. Mais belas ainda.
Ocupavam a sala, as mulheres, desde os pianos até às janelas estreitas
O sol dourado, vindo delas cravava-se na pele fazendo-as estendidas em brilho.
As mulheres mortas serão sempre mulheres maiores, como as salas vazias
não precisam de cadeiras altas, e largas, e tronos, e de gente a cirandar.
Querem-se sempre grandes em maiores ares.
Na sala da música eram duas mulheres e muitas cadeiras.
Estendiam-se gordas de beleza pelas franjas dos vestidos.
Eram rainhas mortas, mulheres maiores,
como os pianos pretos depois do concerto das suas vidas.


Era costume clara vestir-se para abrir a janela e
mostrar-se enfeitada de eufóricos contos e histórias.
Ontem abriu a janela despida de qualquer capítulo letrado. Abriu a janela nua para que descobrissem o quão importante são os nadas das frases, dos parágrafos, dos livros. 
Rendeu-se à verdade das interrogações dos poemas mais tristes e exigentes do tempo, das reticências triplamente batidas, das pausas mudas, dos brancos bélicos do silêncio.
Deixou-se cair em sombra nos braços do adeus, enviou um beijo aos muitos que do terreiro a viam,
deslizou. Serpenteou pelo parapeito a dentro e para lá da janela desapareceu, calou-se.
Nos espaços lisos dos livros plantar-se-á clara
para que nas noites e pausas das leituras todos se lembrem dela.


21/04/09

Só me falas agora dos sapatos novos que te deram,

das línguas estrangeiras, das fotografias e dos postais,

das loucuras do rapaz que pela noite dentro te saturaram

e da responsabilidade estragada de quem se esquece de ti.

10/04/09

Como gostei da última carta 
e da parte em que me ameaças 
morder pela raiva, 
por um pequeno ódio, 
por te ser calado, talvez. 
E porque não te quero perder,
dar-te-ei o corpo aos dentes.


09/04/09

Nestes dias todos não me vejo com ávida clareza para escrever aquilo a que tinhas direito. Não sei se falar de mim, de um triste e qualquer personagem ou do volume de umas grandes mamas fartas. Estão-me escuras as ideias claras para as palavras. Traquinas e teimosas, escorregaram às escondidas até aos púbicos e cerrados caracóis. Pela sua pequenez e pela manha de um cansaço fingido adormeceram às gargalhadas na sombra mais fresca do apagado lampião.

08/04/09

De entre as coisas que se apoderaram das outras coisas que se deixam apoderar,
como as violentas dunas movediças que morrem pelas
potências incondicionais à grandeza dos segredos do vento,
as vacas começaram a cuspir folhas de livros nunca lidos.

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