21/12/09

Vitor é um boneco .

Um boneco de plástico, Vitor é amarelo, vestido com roupa apertada e de cabelo bem penteado.

Dentro de uma caixa aberta no topo, para que se lhe possa mexer, Vitor espera saudosamente por uma carícia.

Se por entre a abertura superior da caixa lhe tocarmos na cabeça, em vez de ronronar como os gatos de pelo, em vez de chorar e pedir "dá a pápa, dá a pápa", em vez de fazer bolinhas de sabão como as estúpidas bonecas de borracha, Vitor, de plástico rijo, fica excitado a limites das suas calças rasgarem e a caixa deformar.

Vitor é um boneco triste.

Ninguém até hoje o levou para casa, é um boneco muito caro.

Nas lojas onde se vendem o Vitor, todos os empregados e visitantes curiosos lhe passam a mão na cabeça. Riem-se em gritos ao verem as dimensões do tesão do boneco. Vitor vai tomando forma, a caixa embacia.

No exterior da caixa do Vitor está escrito a vermelho pecado "O feitor das quentes e húmidas felicidades", no entanto, o rijo boneco nunca cumpriu a sua missão. Vive fechado em paredes de cartão cheio de febre. Nunca se veio ao mundo.

Hoje pelas notícias soubemos que Vitor está prestes a sair da lojas e quiosques. Acaba de chegar às praças comerciais o fresco Jonh, sem caixa, um boneco de vinil macio e de cabelo rapado que quando se lhe toca na cabeça, mexe as mãos com excitação, ao mesmo tempo que se saliva como bonecas estúpidas, ronrona, como os assanhados gatos e diz em sussurro, como um telefonista erótico, "dá ao bébe, dá ao bébe".

19/12/09

A avó traz sempre consigo, dentro do bolso do avental, um lenço branco amarrotado.

Embrulhado no lenço, um corno pequenino.

Dentro, do corno oco pequenino,

uns gramas de coca

"é para as horas de aflição meu rico filho".


Na beira da porta o sol da tarde pedia sono.

Deixei que a avó adormecesse.

Meti-lhe a mão no avental

apalpei o lenço, agarrei-o sem lhe tocar nas pernas

deslizei a mão, bolso a cima, com o lenço,

afastei-me da porta.

abri o lenço e o corno,

cheirei a coca,

não guardei o corno,

não amarrotei o lenço nem o tornei a colocar no bolso do avental.

Sem controlo no corno, nem no lenço, nem em mim, caí no chão de olhos arregaçados.

A avó acordou,

levantou-se,

viu-me o nariz empoeirado,

não me falou.

Tornou os seus olhos em olhos de cadela aflita,

baixou-se,

mostrou-me a língua e lambeu-me o nariz.


ao lado