09/03/12


As dúvidas são como os deuses pregados nas paredes,
como deuses cravados nas gentes e em coisas rasas.
Há dúvida nas definições da vida, na definição da morte e,
até, se deus é um jovem irreverente que vive de paixões.
Há dúvidas nos horóscopos e na certeza dos sábios,
na ortografia dos livros e figuras dos jornais,
na sensação de fome e na matança da sede.
Há dúvidas no conforto dos carros fúnebres e no equilíbrio das bicicletas, 
no espírito, na carne, 
no tempo do agora e, como dizes, se o amor se sobrepõe a todas as coisas.
Há dúvidas e disso ter-se-á sempre certeza,
como a certeza que morreremos ambos crucificados em perguntas.

10/10/11

Somos todos quadrículas intermináveis, 
somos espaços aritmeticamente desenhados 
que pedem o asseio dos números e 
das contas mais certas. 
Somos razão, verdade e por isso amor. 
Somos de ouro e perpetuamente resistimos.
Não somos a vida nem a morte, 
como nunca seremos mais nem menos infinito. 

We are all endless squares, spaces are designed arithmetically asking the cleanliness of primes. We reason, truth and love it. We are gold and ever endure. We are not life nor death, we will never be the beginning nor the end.
nor

05/10/11



Incapazes de resistir à inveja, duas de três irmãs mataram a mais bela.

Quando a mais bela chega ao céu pede a Deus para que torne as suas irmãs nas coisas mais bonitas do Universo. Deus, atendendo ao seu pedido, transformou uma dia e outra em noite. Pela mais bela e pela graça de Deus as duas irmãs feias foram perdoadas e a irmã morta feita de novo em vida. Assim, todos os dias e ainda hoje quando a bela Aurora surge, as três irmãs juntam-se num beijo.
Unable to give up the jealousy, two of three sisters killed the most beautiful. When the most beautiful reaches to the sky asking God to make his sisters in the most beautiful things in the universe. God, according to their request, made in a sun and moon in another. For the two most beautiful and ugly were forgiven, thank God, all the sisters were very pleased. Even today, when the beautiful Aurora arrives, three is for a kiss.
Aurora, her sister.
Aurora, her sister. Unable to give up the jealousy, two of three sisters killed the most beautiful. When the most beautiful reaches to the sky asking God to make his sisters in the most beautiful things in the universe. God, according to their request, made in a sun and moon in another. For the most beautiful and by the grace of God the two ugly sisters were forgiven. Every day, when the fair dawning, the three come together in a kiss.

17/04/11



Uma mostra de inteligência vê-se pela simplificação, pelas claras acções. O resto às inseguras carapaças pertence.

light ball

30/03/11

A grandeza dos frustrados vê-se em quem se preocupa demasiado com coisas pequenas.
The magnitude of frustrated, who sees himself in too concerned about little things.

15/02/11

Será a mentira mais verdadeira que o mentiroso?

30/01/11

A irmã que nunca tive é escura,
não tem braços nem pernas,
não tem peito nem colares,
não tem brincos, nem pérolas,
nem orelhas como as mulheres que vivem dentro de carros bonitos.
A irmã que nunca tive mora dentro de uma caixa com pouca luz. Tem o pescoço e a cara preta 
e olhos, nem eu sei se os tem.
Quando quer companhia,
pela boca saem-lhe nuvens negras que embacia e
lhe engrossa os fios do cabelo.

Quando chego perto, a minha irmã nunca me reconhece. Agasalha-se no preto da sua capa
e continua parada como o alcatrão das estradas.

Nunca nos rimos, nunca passeamos juntos em nenhum dos caminhos,
nem mesmo um abraço demos nas mais dolorosas despedidas.

Hoje, comprei uma caixa maior,
pintei-me de preto.
Dormiremos e sonharemos juntos, por certo,
enquanto esperamos que me caiam os membros, se feche a minha boca e em negro me cerrem os olhos. 

20/01/11

Nem sempre as janelas batem com o vento.

10/01/11

Nem sempre o estômago devolve a comida à boca em acto de contrição.
Nem sempre as vacas das histórias são vacas ruminantes.

08/01/11


A cabeceira, que nunca dorme, conhece todos os meus sonhos. Hoje, durmo no chão.


20/12/10




O vinho, o bafo, o embalo do copo quase vazio.
No prato a tira de carne ensopada em gritos de animal morto
e nos dentes dos talheres um bocejo pouco esfomeado.
À mesa, hoje sobre um só cotovelo, já não te espero.

16/11/10


Tenho-me sempre a pensar no espaço que existe entre a cama e a janela. Nesse sempre, aparece-me à ideia o anjo mais estranho que alguma vez conheci. Um anjo enviesado de olhar agudo que parece nascido de um ovo. Um anjo que desagua nas praias onde nadei, nas que não conheci e que às escondidas sacode o mal das penas. Um anjo que besunta sempre o bico como se preparasse a um estudado ataque rapina. 
Não suporto o mistério das suas aparições entre a minha cama e a janela. 
Ainda que me dissesse que vou ser pai, preferia-o branco e em forma de pomba.

26/08/10

Farta e de barriga vazia,

há três dias sucumbe, olhos gastos

pela luz e pelo nada que se

lhes entra, as noites foram

parecendo só suas, duras,

longas, noites encardidas. Antes

que se encartilhe deixa para

trás algumas das memórias, as

menos apetecíveis, talvez.

De novo voltará ao seu

si, ao seu pedaço que ainda a

reconhece, enquanto se untará

nas alegrias que lhe restam

destes dias que a encolheram.


Antes de descerem à terra das criaturas feias,

as criaturas bonitas lambem-se até abrirem fendas largas nos braços, nas pernas e nos pés.

Quando largam os sítios altos, os telhados de todas as montanhas,

vestem-se de feridas vaidosas enquanto se transformam em criaturas líquidas e vermelhas.

Dos telhados das montanhas nunca desceram criaturas bonitas e arranjadas.

Pelo caminho, acabam por morrer afogadas no seu sangue e no seu brio.

Domingo há missa. Hoje, sexta-feira, é dia de Emília varrer os pátios da capela, sacudir os miúdos que, nas reentrâncias das pedras das paredes grandes, se encavalitam para fumar às escondidas. Diz-se que Emília acredita que, enquanto o pátio da capela for por ela limpo, terá o céu como destino, assim como outros inflamados regalos oferecidos na casa do padre. Depois de muitas nuvens de pó engolidas, pátios todos varridos e miúdos afastados, Emília enfia-se numa das reentrâncias para fumar quantas beatas possa e quantas tenham deixado acesas.Todos sabiam que a impostora do padre, a varredora dos pátios, fumava as pontas de cigarros por ali deixadas. As maiores, as grandes e interrompidas, levava-as de presente para o padre. Revoltados, os miúdos chamam-lhe: "Emília a chupista de beatas e de padres". Amanhã é sábado, é dia de confesso. Receosa que os lugares no céu fiquem lotados, diz-se, Emilia furará por entre outras mulheres e será a primeira da fila ao confessionário. De joelhos, rezará à sua maneira e à do padre. Diz-se que os sons das palavras, dentro do confessionário, são sôfregos, quase mortos, como se diz que é sempre ilibada de qualquer penitência. Livre de pecados, domingo, pela frescura do toque do sino, de roupa asseada, terço em punho, deslizará bem cedo corredor da capela acima, até à altura da comunhão. Em público, abrirá a boca e mostrará a língua ao padre até que ele rodopie um dos cantos dos lábios como sinal de permissão a uma noite de acasalamento. Deposita-se-lhe a comunhão. Emília é permitida ao céu. Diz-se que, até hoje, Emília já foi abençoada por muitas vassouras, muitas beatas, muitas gerações de miúdos e muitos padres que outrora ali foram miúdos viciados.


19/07/10

Os espaços

depois de conhecidos, depois da ínfima experimentação das suas múltiplas potências,

serão para sempre Grandes Lugares.

21/06/10



Desbravaram o terreno, escavaram o monte.
No lugar dos pinheiros, os camiões e o pó eram sempre presentes pelas noites e dias já tardios.
A cada hora, naquele monte, a casa crescia arregalada até se espigar sonora pelas fachadas e altas paredes. 
Um valado florido, uma oliveira, uma escadaria polida. Uma casa.
Os camiões iam embora, o pó assentava e os peregrinos dos sofás, das cadeiras e das camas, das loiças e talheres, das roupas e das grandes pinturas entravam na casa feita e faziam-na maior, destemia-se. 
Nasciam portões, isolava-se. 
A relva aparada, cobrira as flores despenteadas do acaso. 
A irreverente oliveira deu meia dúzia de azeitonas. 
Na casa dos pinheiros desaparecidos vivia gente. Gente sem suposta ideia que em anos corridos, a tinta descascaria, a oliveira declinaria em curva à morte e novos peregrinos apareceriam para recolher sofás gastos, velhas roupas desfiadas e encardidas, loiça em cacos, fogões e frigoríficos enferrujados, enquanto que, pelas telhas, o soalho ia sendo regado. 
A cozinha seria negra, fumada. 
O corredor largo tornar-se-ia estreito e de paredes manchadas por décadas de apalpadelas, por incontáveis dias de gordura trazidas nas mãos dos velhos. 
Um corredor, um afunilado caminho que nos guiaria até à sala, e ali, uma sala. Uma arena, sem tecto, de soalho podre, fértil pela decomposição dos habitantes lá defuntos.  
Naquela casa vivera gente sem ideia suposta que em anos corridos, no lugar da sala, nasceria um pequeno pinheiro e, deste, outros grandes pinheiros mais largos que em verde orgasmo se expandiriam, por todas as divisões, até ao poço.  

15/06/10

Não me importei que cá tivesses deixado a roupa

Não me importo que me tivesse ficado o teu perfume.

Para que dê importância àquilo que não me importa,

fintarei num nó apertado o teu lenço ao pescoço e

enquanto a língua se solta e dela se esvaia o meu sangue,

dançarei nesta noite de misérias bem encostado a ti.

04/06/10


Pela noite as estrelas vão cobrir-se de janeiras nuvens e,
entre os penedos, na folia da sede,
as conchas vazias abrir-se-ão apressadas à chuva.
E porque te espero…hoje ainda,
como as conchas,  
entre os penedos mortos da praia,
lavarei as mãos ocas de nada, 
ocas de qualquer coisa tua.

27/05/10

Com saudades dos beijos agudos

dos cotovelos e das frescas nádegas nuas,

a cadeira arrepiava-se fria.

A rainha viajou,

a rainha foi-se embora.

Na cabeceira da cadeira os meus olhos.

Nos seus pés, de ouro velho, a minha bába.

Aqui para nós,

assim como só os ramos perdidos nos rios

viajam sempre mortos.

A rainha perdeu-se por outro reino, por certo.


Sem rainha as entesoadas revoluções já se foram.

Já não se repetem as batalhas de cuspo de ontem,

nem o batido de suores nas bandeiras patrióticas onde nos enrolamos,

não me falará mais das viagens que me fez,

nem do nome dos donos das nódoas das almofadas do coche,

que, por sinal, fincava sempre arreio no monte onde lhe comi os pêssegos.


A rainha arrastou-se pelas suas novas ruas,

foi-se-me embora despida do coche, da bandeira, de mim.

Hoje, tal como todos os reis de voláteis impérios, perdi a coroa.



08/03/10

Não gatinhei nem andei na pré-escola.

Quem cuidava de mim, enquanto os meus pais iam trabalhar, era uma ama. Desde os nove meses que fui entregue a outra mãe e por estranho que pareça não me lembro de ter sentido estranheza em ter duas mães.

Até muito tarde chamei mãe à dona Gloria, mesmo até quando já não era minha mãe.

Porque a dona Gloria tinha quatro filhos, um rapaz e três raparigas e porque os filhos dela, lhe chamavam mãe, eu também, em embalo, lhe decidi chamar.

Desde manhã até à noite esperava pela minha mãe verdadeira e pelo doce, embrulhado à pressa na hora de expediente, que sempre trazia. A minha mãe sempre trabalhou muito, até mesmo nas divagações que fazia quando tinha tudo feito.

Aos cinco anos fui para a escola.

Era o meu primeiro encontro com uma manada de rapazes e raparigas da mesma idade, sentados em cadeiras, em pasto sobre livros e cadernos que se estendiam sobre as mesas numa sala muito diferente da minha.

Quando eu chorava de saudades da minha mãe, ou dos doces ou dos beijos, a mãe Glória, dizia-me: quando fores para escola e vires a entrar na sala uma senhora com uma bata branca, esses choros vão acabar. Ela vai pôr fim a isto. Lá, não há lugar para estes choros de menino.

Aos cinco anos, dona Glória apontou-me uma grande verdade. As professoras, que vestiam batas brancas, assutavam. Sempre julgou que a obrigação para uma professora vestir uma bata branca era de impor respeito e estatuto igual ao de uma rainha de colmeia insubordinada.

No meu primeiro dia de aulas, bem cedo, o meu irmão bateu a porta da nossa casa e, no único degrau do lado de fora, baixou-se e limpou-me um dos sapatos. Ajeitou-me a mala nas costas e agarrou-me a mão. Não me levava à dona Glória, ia-mos em passo acelerado em caminhos diferentes do habitual. Sem troca de palavras, pelas ruelas, a caminho do primeiro dia de escola, só ouvia a respiração e o bater do coração que martelava mais forte do que nos outros dias todos. Recordo-me da minha primeira mala, dos meus livros novos, dos cadernos sem letras e sem vincas nas esquinas e do cheiro que vinha do interior do meu porta-lápis. Desse dia o meu irmão só se lembra dos meus sapatos.

No primeiro dia de escola, a verdade de dona Glória revelou-se. Entrou na sala uma senhora muito alta de cabelo ondulado a raspar numa bata branca. Uma bata branca. Com pressa, como quem tem muita coisa para fazer, saí do lugar que me foi imposto por uma senhora gorda e orientadora. Chamava-se Funcionária, lembro-me dela o ter dito.

Temia aquela sala, aquelas cadeiras e aquela parede negra, os tacos levantados e dos peitorais das janelas enfeitadas com flores mortas.

Chorei. Gritei pelo meu irmão e quem se aproximou de mim foi a senhora de bata branca. Muito antes de ter forças para fugir fui agarrado. Haviam muitos meninos e meninas a olharem para mim, não os conhecia, juro que não os conhecia e, mesmo assim, insistiam em olhar para mim.

Os braços da professora abraçaram-me. Numa das pausas de pedido de silêncio, disse-me ao ouvido, quase em beijo que ali iria aprender a escrever e a ler as minhas próprias histórias. Lembro-me que, no meu primeiro dia de escola, não queria ser abraçado pela mulher que se vestia de branco para manter respeito, não queria nenhuma história minha nem a de ninguém. Queria a minha mãe ou a outra que eu sempre soube que não era minha.

Fui sentado no chão, no fundo da sala, dias e dias com brinquedos e construções das difíceis, enquanto o meu irmão assistia fora da sala, num lugar onde eu o visse. Não tinha doces nem beijos, mas oferecia-me, entre as flores mortas da janela, um sorriso. Sossegava-me como estar sentado no chão.

Os outros meninos aprendiam a ler e a escrever num compasso picado, marcado pela cana na mesa da abelha branca.

Eu, ocupava-me com as montagens e desmontagens e, quando tinha tempo para aquele côro de sé velha, desenhava os números e as letras com as construções sem abrir o bico, não fosse alguém badalar à entidade suprema que eu deveria ir para uma secretária por saber ler e escrever.

Anos depois escrevi esta história pela fórmula aprendida na minha primeira escola. Prometo que em breve a leve num caderno novo, sem os cantos dobrados e a leia em voz alta à senhora da sala, já que à dona Gloria é tarde para contar.

Quanto à minha mãe, a mãe dos beijos e dos doces, essa, sempre soube esta história sem nunca a ter lido.

07/01/10

Porque nos banhos dos corpos nús não se deve olhar abusivamente para os lados, não o fiz, dei-me só ao sentido dos mimos da espuma que me escorria pelo corpo e da água morna que me amolecia pés.

Cometi a inocente loucura de deixar cair uma moeda bem perto de si e da toalha ensopada com a última água que passou por ela.

Baixou-se.

Em silêncio ao passar-me a moeda que tivera rolado até aos seus dedos, vimo-nos.

Tirou a toalha, unto-se com creme "peles mistas", vestiu-se e saiu apressada. Fiz o mesmo, mas com uma calma que não era minha. Como não uso cremes não gastei o mesmo tempo que aquela mulher, fazia-me em espera. Sem pressas vesti-me, não me podia adiantar.

Saiu. Sai, segui-a a uma distância segura. Queria saber mais sobre aquela razão aturdida que eu sentia e sobre si, onde aprendeu a colocar a voz, o que significaria o anel no dedo e se o corrupio que trazia no cabelo era deliberadamente técnico ou natural. Segui-a, cometi a loucura de fazer uma viagem curta sem atingir o destino final, fiquei-me pelo meio caminho, não descobri onde vive e onde se deita com receio que isso me diluísse a fantasia.

As casas falam muito, contam quase tudo, são caixas fortes e secretas mas, abertas à realidade sobre os moradores. Receei que olhasse para trás, que me visse, que me mandasse entrar, que ao me apontar a melhor cadeira, sorrisse e me mandasse sentar, que prepararia algo para me servir enquanto teria eu o tempo para decifrar o número de camadas de tinta que as paredes tinham, o tempo para ler nas estantes os títulos dos livros que leu, separadamente organizados, dos que ainda estariam por ler, analisar o plano de tarefas semanais pregado na porta do frigorífico e recordar para sempre onde, por hábito, espalhava os chinelos-de-quarto.

Medo foi o que senti quando decidi abandonar persegui-la. Medo de a conhecer melhor e de lhe descobrir as mais estúpidas razões que lhe pudessem ser atribuídas como defeitos. Cometi a loucura de fazer uma viagem pequena, a loucura de me ficar pelo meio caminho e de me ter por desistido, de ter sido brutalmente fraco e satisfeito pela candura de um imaginário.

Tal como tê-la, egoistamente à minha maneira, cometo sempre a mesma loucura de querer só isto, de me ficar só pelo incompleto.


21/12/09

Vitor é um boneco .

Um boneco de plástico, Vitor é amarelo, vestido com roupa apertada e de cabelo bem penteado.

Dentro de uma caixa aberta no topo, para que se lhe possa mexer, Vitor espera saudosamente por uma carícia.

Se por entre a abertura superior da caixa lhe tocarmos na cabeça, em vez de ronronar como os gatos de pelo, em vez de chorar e pedir "dá a pápa, dá a pápa", em vez de fazer bolinhas de sabão como as estúpidas bonecas de borracha, Vitor, de plástico rijo, fica excitado a limites das suas calças rasgarem e a caixa deformar.

Vitor é um boneco triste.

Ninguém até hoje o levou para casa, é um boneco muito caro.

Nas lojas onde se vendem o Vitor, todos os empregados e visitantes curiosos lhe passam a mão na cabeça. Riem-se em gritos ao verem as dimensões do tesão do boneco. Vitor vai tomando forma, a caixa embacia.

No exterior da caixa do Vitor está escrito a vermelho pecado "O feitor das quentes e húmidas felicidades", no entanto, o rijo boneco nunca cumpriu a sua missão. Vive fechado em paredes de cartão cheio de febre. Nunca se veio ao mundo.

Hoje pelas notícias soubemos que Vitor está prestes a sair da lojas e quiosques. Acaba de chegar às praças comerciais o fresco Jonh, sem caixa, um boneco de vinil macio e de cabelo rapado que quando se lhe toca na cabeça, mexe as mãos com excitação, ao mesmo tempo que se saliva como bonecas estúpidas, ronrona, como os assanhados gatos e diz em sussurro, como um telefonista erótico, "dá ao bébe, dá ao bébe".

19/12/09

A avó traz sempre consigo, dentro do bolso do avental, um lenço branco amarrotado.

Embrulhado no lenço, um corno pequenino.

Dentro, do corno oco pequenino,

uns gramas de coca

"é para as horas de aflição meu rico filho".


Na beira da porta o sol da tarde pedia sono.

Deixei que a avó adormecesse.

Meti-lhe a mão no avental

apalpei o lenço, agarrei-o sem lhe tocar nas pernas

deslizei a mão, bolso a cima, com o lenço,

afastei-me da porta.

abri o lenço e o corno,

cheirei a coca,

não guardei o corno,

não amarrotei o lenço nem o tornei a colocar no bolso do avental.

Sem controlo no corno, nem no lenço, nem em mim, caí no chão de olhos arregaçados.

A avó acordou,

levantou-se,

viu-me o nariz empoeirado,

não me falou.

Tornou os seus olhos em olhos de cadela aflita,

baixou-se,

mostrou-me a língua e lambeu-me o nariz.


24/11/09

As sopas da Rosário são de lágrimas,

as minhas de burro cansado

de a ver chorar

23/11/09

É mágico o poder do falo: transforma as ideias e os corpos; um santo graal que tudo justifica como Verdade e, ainda uma imagem metafísica mais que incógnita.

Alguns procuram-no incessantemente como a um troféu, ao passo que outros, ao encontrá-lo, rasgam-se e enforçam-se com medos e preconceitos.

O falo ainda é algo mágico, algo que, como naturalmente natural, sempre que é mostrado provoca tensões. Um super herói ainda duro como um menir que se tenta ao céu e lá por vezes chega.

A aguentar as intempéries de qualquer estado do tempo, o falo ainda existe.

20/11/09



Meias secas,
Sapatos ensopados,
Calos raspados,
Calcanhares esfolados
Rosa peregrina

Saia levantada,
Cuecas, sem elas,
Pernas abertas
Rosa peregrina

Lábios vermelhos,
Olhos pintados
Rosa peregrina

Vinte e cinco moedas,

vendida.
Rosa peregrina

06/10/09

:

Senhora, é quase inverno;
são horas de se por a pé,
de tirar dos pés as meias borbotadas e 

num banho
enxotar água abaixo as ideias piolhentas.
Depois, aqueça as coxas uma contra a outra,
raspe as costas com uma manta bem rija e
limpe as remelas que a cegam.
Permita-me senhora:
antes que a época das chuvas chegue e a mele em lama,
passeie pelas ruas secas enquanto é tempo.
É quase inverno senhora; por si temo.



:

28/09/09



Na mesa de cabeceira tenho cinco garrafas de cerveja vazias.

A pintora veio dormir a casa.
Dormiu bebida pelo fermento da cerveja e nos embalos dos meus braços.
Já acordou, não sorriu.
Nos seus sapatos rasos enfiou, em bico, os pés.
Na mão direita uma mala castanha que chocalha. 
Uma mala presa aos dedos de unhas gastas, iguais aos das galinhas velhas.
Voltou à mesa de cabeceira. 
Fiz-me de morto. 
Guardou as tampas das bebidas e correu ansiosa.  
Abria os braços para espalhar o resto do sono. Chocalhava a mala em jeito de guizo, bateu a porta, saiu. 
A pintora já não pinta, colecciona santos de barro e faz-lhes chapéus com cápsulas de cerveja.

27/07/09

As mulheres más estendem-se pelo chão.
Pela raça do corpo dorido e de pele seca que escama e se desintegra,
tornam-se falsas fadas, magos rudes, invisíveis ratoeiras nas nossas grandes florestas.
As mulheres más espalham-se pelo chão e, juntas, procriam ervas daninhas que impedem os caminhos.

19/07/09


Nas mãos viu o vazio

ao ler as linhas do amor e das vidas cada vez mais pequenas.

Pertencia às escolhidas para ser vivente de uma vida sem amor,

ou de amar abrasivamente, pelas esquinas dos dias, sem viver.

Como uma em cada mulher de cada família, de todas as famílias,

é uma mulher sem amor ou dos mortos. Tocou-lhe a si.

Sabia-o pelas mãos pequenas que pegaram do mofo uma fotografia. Olhava a fotografia.

Os tios e as tias numa idade de saltos altos misturavam-se numa mancha única como com as duas árvores e a sé por trás.

Uma imagem borrada de negro, aqui e acolá aclarada pela pouca luz do passado.

Olhava a fotografia e via o relógio da torre sineira, da torre de uma fé que já não reza, que parou, que perdeu os ponteiros.

No centro, bem no meio da imagem a sua pequenez, ela.

Ela menina de vestido longo sem quaisquer folhos de alegria perdida numa névoa negra prestes a cair.

Bastar-lhe-ia um sopro para que se fizesse mais perdida que o tempo.

Uma imagem perdida num dia sem horas, uma imagem moída onde os rostos dos tios e das tias e dos ponteiros fugiram dela,

uma imagem que lhe revelou uma mulher sem amor e sem vida.

No meio, bem no centro, sozinha de rosto nitidamente caído num vestido sem folhos nem flores de menina,

sozinha mesmo no dia em que engoliu pela primeira vez o corpo de cristo.

Sozinha menina olhava a fotografia e perdia-se sufocada no negro dorido da fotografia que lhe ia apagando as mãos.

14/07/09




Ainda me fervilham as axilas pelo sal das marés . 

Sorria do teu bailado circense enquanto berravas o nosso nome,
Gritavas
e desaparecias nos flocos brancos da água partida.
Os faróis egoistas acendiam-se e procuravam o nosso amor. Como te rias disso.

Fizeste com que todos os barcos levassem e trouxessem o nosso nome na proa. 
Lembras-te? 
Nós nos barcos, nós pelas marés rebentadas.
Sonhavamos que éramos mais que nós em cada rasto de espuma, 
que éramos barcos e fragatas inteiras em arraiais e em folia.


Com a certeza  que nos encontraremos em sorrisos no resto que nos resta, 
revelo a todas as praias o nosso poema.
Hoje espero que a maré suba, que me fuce os pés e dê sinal que me esperas.
Catarei todas as vagas, por este mar a dentro, até que a carne arrefeça
e para longe faça bulir o que agora é só memória.
Espero que a maré suba.


24/06/09

De manhã o sol não entrava pela janela como era costume. As nuvens rasteiras andavam por ali a espreitar, pelas redes enferrujadas, os galinheiros e os ovos frescos. Por ali, ao contrário das noites, os dias não costumavam ser tão bonitos.
O colchão ainda estava quente das esfregadelas havidas na noite anterior. Húmido, mas não totalmente húmido que fosse resultado de ter levado alguém a entrar na glória dos orgasmos.
Teriam sido interrompidas as finais erupções leitosas quer do cliente quer da filha da caseira?
Em forma de estrela, por trás do pipo grande, uma pequena porta secreta prendava pela sua passagem todos os clientes como o tesão que faz qualquer osso ranger de ansiedade. Para um buraco transformado em quarto, de braço dado, Marta arrastava consigo, pela porta em estrela feita, um casto pecador. Era a entrada no céu. Um céu onde o prazer e os temperos da carne eram acima de tudo os brindes mais requintadamente oferecidos. Sem necessidade de qualquer chave a filha da caseira tornava-se amor desde a entrada até se despedir do casual amante com um beijo. Um céu de madeira, embebido em sabedoria e testosterona, onde o deus e senhor era uma mulher que abria bem as pernas. Não se julgava nem mais nem menos puta que as outras putas todas, no entanto, não se condenava em absoluto pelos afazeres a que se propunha, fazia-se mais luminosa por cada ida àquele céu. Dada a internacionalização do poder da sua abertura de ancas e do interesse em ser mais feminina que a Marilyn Monroe aprendeu a falar inglês e a calcular o diferencial entre as taxas de juros activas e passivas dos grandes bancos europeus. Marta, por visitar o céu várias vezes ao dia, era a mais bela e amada mulher feita na terra.

Esfregavam-se há horas.

Entre as virilhas, nos cabelos, entre os dedos e nas gangas das pernas rebentavam de loucura.

Ambos em cada abraço apertado, à luz de um candeeiro manhoso, cuspiam um fogo mais luminoso que o fogo preso dos arraiais.

Sem que por qualquer momento lhe tirasse a mão das costas, que o empurrava para cima, tapou com o cabelo os olhos para que ele não a visse a prestar serviço comunitário.

Ludibriante, igual às mulheres dos calendários, ela fazia fintas de paixão. Fintava a presa como as rateiras viúvas negras.

Dançava ali achatada sob o peso horizontal do homem, trincava-lhe os ombros e o queixo, beijava-lhe a ponta do nariz e os lábios, dizia-lhe palavras obscenas como nos diários de Bianca enquanto o controlava nas estocadas e no ritmo. Por baixo de si o colchão sujo e encovado de muitos meses. A tirana sorria de olhos fechados àquele cobertor peludo de 83 quilos enquanto amassava violentamente o colchão. Com os joelhos, uma perna e mais outra, fazia as calças dele deslizar do corpo.

A respiração acelerava, os moncos do nariz dele pendiam gordos a prometer uma queda a qualquer momento sobre a maquilhagem Cibelle dela. Já e prazo de se babar, o cavalo abriu os olhos, afastou-lhe o cabelo do rosto com uma arfada, viu-lhe os olhos e arrepiou-se em contracções. Colou-se com toda a força no corpo dela, esperneou em chicote e disse-lhe que a amava.


Uns noventa anos no lombo e os dentes do marido, feitos em brincos, nas orelhas.
Suzete, era a mulher que viu Salazar a fugir entre os arcos da biblioteca principal quando rebenta o golpe de estado.
- Já engoli muito lixo menino - disse-me ela esfregando a barriga que lhe içava o avental.
Sou do tempo em que os olhos eram das lágrimas enquanto comíamos do mesmo prato.  Sabe lá o menino o que isso é. Já ouviu falar de amor e incerteza?

Trazia no pescoço um terço, preso nele a imagem do sagrado coração de Jesus e um S. António. Nos dedos, vinte e cinco anéis, distribuídos ainda às escuras por alturas da tímida madrugada.
Suzete é uma mulher saciada de histórias e adereços.  
O marido tinha sido um dos guardas de Salazar que ficara sem os dentes durante a fuga de abril . 
DIz-se que embatera numa das colunas duras e rijas  que ainda hoje, ali, assistem a tudo. 
Pelas suas marcas, aquelas barras, contam ainda hoje histórias de fugitivos, desaparecidos e desdentados.
Os dentes foram encontrados e hoje eram os brincos de Suzete.
- Ó menino; soubesse eu do meu marido para lhos tornar a pôr. 

O marido de Suzete tinha desaparecido pelo meio da multidão disfarçando com os seu casaco as feições de Salazar.
- Sabe que ouço por aí dizer que o presidente ainda é vivo e quem enterraram foi um dos seus colegas de poker? E olhe que o meu marido não sabia jogar poker. Abençoada burrice dele nos naipes para me fazer mulher com esperança.
Já me cambaleio, como vê menino, mas ainda o espero.
Cambaleio não por estes anos me terem secado as lágrimas, mas por ser uma mulher ausente do amor do qual só o sei desdentado.
Pela insistência dos toque do telefone, sabia com certeza de quem vinha a chamada. – Está? preciso falar contigo, estás ai? (gritou) – sim (respondi-lhe eu ao grito), podes falar. Sabia pela sonoridade da sua respiração que a conversa seria longa e trituradora do meu tempo. – Então é assim… Arrepiei-me, como eu detesto quando alguém inicia uma frase que seja com a expressão, “então é assim”. Fugi. Desliguei-me daquele telefone. Desliguei-me de mais uma história habitualmente bizarra com necessidade de descodificação por parte de psicanalístas. Entre setenta e nove discos escolhi um de capa verde e pus a tocar, coloquei os auscultadores nos ouvidos prensando o máximo as orelhas, ia ouvindo uma voz arreliada bem ao longe, bem no lado de lá da linha telefónica, nem uma palavra entendia, a música quase me fazia cantarolar. Controlei-me. Abri umas revistas, li e reli todas as letras gordas e semi-gordas enquanto tirava ideias para umas fotografias, viajei aos locais onde as fotografias seriam feitas, escolhi a hora do trabalho, calculei os valores aproximados de intensidade luminosa, escolhi as personagens e apresentei-lhes por e-mail o projecto, responderam, aceitaram, escrevi a pedir uns apoios… -Estás ai? (estremeceu-me) -Sim, (respondi-lhe eu ao berro em Dó de uma última oitava). Continua, estou a ouvir-te Beatriz. Continua.. Tirei os auscultadores, virei-me para um parede branca do escritório, dei-me pronto a um pouco de atenção, pelo menos a uma das partes do telefonema, não me fosse perguntar alguma coisa, alguma opinião. Seria inédito, no entanto apromei-me, prometi-me ficar atento, quem sabe, o assunto, desta vez fosse algo realmente importante. Pondero sempre a possibilidade de um telefonema importante feito por si, por isso a atendo. Basta um pequeno deslize de inocência a Beatriz Maria para que todos os seus momentos sejam apneias obstrutivas às suas conhecidas ideias de mudar o mundo. Esta é a realidade que a faz fazer-me constantemente chamadas. Quando Beatriz Maria decide tornar um momento seu de desespero num momento, para si, razoavelmente feliz e ainda assim as coisas se lhe apresentam pela mais rasa medida, Beatriz Maria liga-me, liga-me todos os dias, para me informar que se lhe rasgou a alma como se tivesse sido violada por um habitante do Congo. Sempre a considerei uma senhora, mas nunca uma senhora que se rasgasse ao ser violada. -… por agora, – diz-me já a cuspir-se – prefiro não acarinhar, nem apostar em nada que me possa sair em desastre. Decidi ser velhinha por uns tempos e tomarei só como frente de ataque as minhas felizes certezas. Uma mulher madura que abandona qualquer sentido de esperança, julguei eu. -Serei uma velha idosa aos trinta e dois anos e que decidiu trocar o risco pelo medo que o diferente me pode propor, consegues entender? (fingi que sim) – sim claro! - Podes escrever aquilo que te digo, tornar-me-ei a partir de hoje traidora das minhas certezas. Desisto de estratégias para as mudanças, serei a amante do cómodo e da passividade …(desligou a chamada). 
Beatriz Maria, adultera e corcunda Beatriz Maria. 
Assim te escrevo como pediste.

10/06/09

Desbravaram o terreno, escavaram o monte.

No lugar dos pinheiros os camiões e o pó eram sempre presentes pelos dias e pelas noites.

Cada dia, naquele monte a casa crescia desvairada. Decomposta naquele lugar uma casa grande de paredes altas, a casa dos pinheiros desaparecidos.

Um valado florido, uma oliveira, uma escadaria brilhante, uma casa.

Os camiões iam embora, o pó assentava e os peregrinos dos sofás, das cadeiras e camas, das loiças e talheres, das roupas e das grandes pinturas entravam na casa feita, faziam-na maior, destemida. Nasciam portões, isolava-se. A relva em rolo desenrolava-se, a oliveira deu meia dúzia de azeitonas. Uma casa grande. Na casa dos pinheiros desaparecidos vivia gente que não imaginava que ano depois de anos corridos a tinta descascava, a oliveira iria secar e novos peregrinos apareceriam para recolher sofás gastos, velhas roupas encardidas, loiça em cacos, fogões e frigoríficos enferrujados, enquanto que, pelas telhas o soalho ia sendo regado. A cozinha seria negra, o corredor largo tornar-se-ia estreito e manchado por décadas de apalpadelas de gordura trazidas pelas mãos dos velhos guiar-nos-á à sala, a uma sala sem tecto, de soalho podre e fértil pela decomposição dos habitantes lá mortos. Ali na sala nascerá um pequeno pinheiro e deste outros grandes pinheiros mais largos, de novo um monte, um monte.

27/04/09

Estendia-se feminina na quase maior cadeira de todas as cadeiras do castelo.

Estava morta na sala onde havia uma outra mulher que estava morta noutra cadeira ainda maior.

Como todas as mulheres mortas, aquelas eram belas e femininas. Mais belas ainda.
Ocupavam a sala, as mulheres, desde os pianos até às janelas estreitas
O sol dourado, vindo delas cravava-se na pele fazendo-as estendidas em brilho.
As mulheres mortas serão sempre mulheres maiores, como as salas vazias
não precisam de cadeiras altas, e largas, e tronos, e de gente a cirandar.
Querem-se sempre grandes em maiores ares.
Na sala da música eram duas mulheres e muitas cadeiras.
Estendiam-se gordas de beleza pelas franjas dos vestidos.
Eram rainhas mortas, mulheres maiores,
como os pianos pretos depois do concerto das suas vidas.


Era costume clara vestir-se para abrir a janela e
mostrar-se enfeitada de eufóricos contos e histórias.
Ontem abriu a janela despida de qualquer capítulo letrado. Abriu a janela nua para que descobrissem o quão importante são os nadas das frases, dos parágrafos, dos livros. 
Rendeu-se à verdade das interrogações dos poemas mais tristes e exigentes do tempo, das reticências triplamente batidas, das pausas mudas, dos brancos bélicos do silêncio.
Deixou-se cair em sombra nos braços do adeus, enviou um beijo aos muitos que do terreiro a viam,
deslizou. Serpenteou pelo parapeito a dentro e para lá da janela desapareceu, calou-se.
Nos espaços lisos dos livros plantar-se-á clara
para que nas noites e pausas das leituras todos se lembrem dela.


21/04/09

Só me falas agora dos sapatos novos que te deram,

das línguas estrangeiras, das fotografias e dos postais,

das loucuras do rapaz que pela noite dentro te saturaram

e da responsabilidade estragada de quem se esquece de ti.

10/04/09

Como gostei da última carta 
e da parte em que me ameaças 
morder pela raiva, 
por um pequeno ódio, 
por te ser calado, talvez. 
E porque não te quero perder,
dar-te-ei o corpo aos dentes.


09/04/09

Nestes dias todos não me vejo com ávida clareza para escrever aquilo a que tinhas direito. Não sei se falar de mim, de um triste e qualquer personagem ou do volume de umas grandes mamas fartas. Estão-me escuras as ideias claras para as palavras. Traquinas e teimosas, escorregaram às escondidas até aos púbicos e cerrados caracóis. Pela sua pequenez e pela manha de um cansaço fingido adormeceram às gargalhadas na sombra mais fresca do apagado lampião.

08/04/09

De entre as coisas que se apoderaram das outras coisas que se deixam apoderar,
como as violentas dunas movediças que morrem pelas
potências incondicionais à grandeza dos segredos do vento,
as vacas começaram a cuspir folhas de livros nunca lidos.

30/03/09


Maldito vento gelado, ali nos lados de Belém.
Valeu de nada a ida e de pouco menos a volta.
Prémio EDP NOVOS ARTISTAS. Bate-se nesta exposição records de incongruência levada por sua vez ao estado da parvónia. Perdoe-me a autora das "telas" que ali se apresentam, telas ditas pintadas a tinta e outros materiais. Senhor, senhor, s. Judas Tadeu, advogado das causas impossíveis, a culpa não é da menina, nem das peças, mas de quem as seleccionou.
Fazem-se cartazes e espalham-se por todos o país, fazem-se out-doors de anúncio, reveste-se o edifício da EDP com a informação de uma exposição bacoca que só serviu para  matar, à força toda, alguns dos seleccionados. 
Não acreditam? bilhete gratuito, passem por lá e façam-se deparar com a verdadeira amplitude provocada pela qualidade e o medíocre, passando pela réplica, é valente e estupefactante.
Fosse eu gente com poder monetário a adquirir alguma das peças, ou mesmo membro do júri, a escolha como peça vencedora cairia na "fita organicamente ondulada, um género de corrimão deliciosamente torneado, mais que escultura um desenho tridimensional que percorre um espaço imenso de uma das salas, em papel e ferro. Sim, meus senhores, essa para mim subiria ao pódio do lugar primeiro, mas dada a insólita selecção que ali se apresenta não ficarei de todo surpreendido como o que quer que aconteça. 
Agora um recado, pequeno, pequenino, aos senhores responsáveis pelo prémio em causa: cuidado com o que seccionam, um dia a surpresa bater-vos-á à porta e a própria EDP ficará sem luz por tempo indeterminado.



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