16/03/09



Franz von Stuck, Salomé, 1903, Lenbachaus, Munique


Salomé está apaixonada por um homem casado e não é casada com este homem casado. 
Dorme pouco e não toma café, atira-se nas viagens e nos delírios de se imaginar abraçada entre lençóis a falar sobre a sua paixão pelo homem casado com o homem casado.
No pequeno almoço de hoje, num dos meus pequenos almoços de segunda feira, Salomé apareceu e contou a medo que já tivera feio chamadas anónimas ao homem casado. Queria-lhe ouvir a voz, queria saber o ritmo da sua respiração para a poder sincronizar com a sua. Escreveu, hoje ainda muito cedo, uma carta anónima para lha enviar que releu e afinou até à hora do pequeno almoço, não fechou o envelope, queria ainda poder ler e reler mais umas vezes o que hoje se tivera tornado declaração feita. "não quero que leia esta carta e que dela tire ideias erradas, preservo o sentido da família, mas também preservo a minha sanidade emocional. Estou apaixonada". Afirmava a sua realidade tal como as gotas que lhe escorriam dos olhos o faziam.
Mesmo sem saber quem ela é, Salomé, tem medo que ele largue a família, portanto considera assim a hipótese do homem casado se apaixonar por desvaneios anónimos e por uma mulher que é o próprio desvaneio em carta escrita.
Vive apaixonada de manhã à noite, já não come às refeições, perdeu o relógio da razão. "vivo com esperanças que me ligue e que descubra que estou apaixonada sem eu lho dizer, será possível?" com receio, perguntava-me. Pondero que sim, pondero que as paixões são mais visíveis que as montanhas, mas fico em silêncio, não lho digo. Seria apenas um ouvinte que não tece opiniões tal como foi o papel branco que recebeu a sua história de amor anónima.
Quando se cruza com o homem casado, Salomé transpira, fica gaga e fala mais alto, fica com gases e dilata-se-lhe a barriga.
("está?... quem fala?....") - "atende-me quando lhe ligo anonimamente, sabes? é uma voz tão bonita, tão bonita, mais bonita ainda que ele, imagina...". E imaginei à luz do que aprendera em tempos na catequese, a voz de  Deus, um trovão.
Acabou o tempo do pequeno almoço e Salomé nem tocou no pedaço de pão que tinha à frente. Está apaixonada e ridícula como os apaixonados.
"hoje passarei pela sua porta por obrigação, levarei uma roupa larga para que não se note a minha barriga que dilatará, levarei um chiclete na boca para que não me seque a garganta e não gagueje caso me cumprimente..." dizia-me quase sem mexer os lábios em quando punha as moedas sobre a mesa para pagar aquilo que não comeu.
Salomé saiu e leva consigo no bolso a carta anónima dentro de um envelope ainda por fechar. Prometeu que ainda a iria ler mais uma vez, não vá aquela carta chegar às mãos dos filhos do homem ou à sua mulher, mãe dos seus filhos, que a roubaria, por certo para uso próprio, um dos mais belos manifestos de amor a um homem casado que poderia deixar de ser seu.

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