26/08/10

Farta e de barriga vazia,

há três dias sucumbe, olhos gastos

pela luz e pelo nada que se

lhes entra, as noites foram

parecendo só suas, duras,

longas, noites encardidas. Antes

que se encartilhe deixa para

trás algumas das memórias, as

menos apetecíveis, talvez.

De novo voltará ao seu

si, ao seu pedaço que ainda a

reconhece, enquanto se untará

nas alegrias que lhe restam

destes dias que a encolheram.


Antes de descerem à terra das criaturas feias,

as criaturas bonitas lambem-se até abrirem fendas largas nos braços, nas pernas e nos pés.

Quando largam os sítios altos, os telhados de todas as montanhas,

vestem-se de feridas vaidosas enquanto se transformam em criaturas líquidas e vermelhas.

Dos telhados das montanhas nunca desceram criaturas bonitas e arranjadas.

Pelo caminho, acabam por morrer afogadas no seu sangue e no seu brio.

Domingo há missa. Hoje, sexta-feira, é dia de Emília varrer os pátios da capela, sacudir os miúdos que, nas reentrâncias das pedras das paredes grandes, se encavalitam para fumar às escondidas. Diz-se que Emília acredita que, enquanto o pátio da capela for por ela limpo, terá o céu como destino, assim como outros inflamados regalos oferecidos na casa do padre. Depois de muitas nuvens de pó engolidas, pátios todos varridos e miúdos afastados, Emília enfia-se numa das reentrâncias para fumar quantas beatas possa e quantas tenham deixado acesas.Todos sabiam que a impostora do padre, a varredora dos pátios, fumava as pontas de cigarros por ali deixadas. As maiores, as grandes e interrompidas, levava-as de presente para o padre. Revoltados, os miúdos chamam-lhe: "Emília a chupista de beatas e de padres". Amanhã é sábado, é dia de confesso. Receosa que os lugares no céu fiquem lotados, diz-se, Emilia furará por entre outras mulheres e será a primeira da fila ao confessionário. De joelhos, rezará à sua maneira e à do padre. Diz-se que os sons das palavras, dentro do confessionário, são sôfregos, quase mortos, como se diz que é sempre ilibada de qualquer penitência. Livre de pecados, domingo, pela frescura do toque do sino, de roupa asseada, terço em punho, deslizará bem cedo corredor da capela acima, até à altura da comunhão. Em público, abrirá a boca e mostrará a língua ao padre até que ele rodopie um dos cantos dos lábios como sinal de permissão a uma noite de acasalamento. Deposita-se-lhe a comunhão. Emília é permitida ao céu. Diz-se que, até hoje, Emília já foi abençoada por muitas vassouras, muitas beatas, muitas gerações de miúdos e muitos padres que outrora ali foram miúdos viciados.


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