24/06/09

Pela insistência dos toque do telefone, sabia com certeza de quem vinha a chamada. – Está? preciso falar contigo, estás ai? (gritou) – sim (respondi-lhe eu ao grito), podes falar. Sabia pela sonoridade da sua respiração que a conversa seria longa e trituradora do meu tempo. – Então é assim… Arrepiei-me, como eu detesto quando alguém inicia uma frase que seja com a expressão, “então é assim”. Fugi. Desliguei-me daquele telefone. Desliguei-me de mais uma história habitualmente bizarra com necessidade de descodificação por parte de psicanalístas. Entre setenta e nove discos escolhi um de capa verde e pus a tocar, coloquei os auscultadores nos ouvidos prensando o máximo as orelhas, ia ouvindo uma voz arreliada bem ao longe, bem no lado de lá da linha telefónica, nem uma palavra entendia, a música quase me fazia cantarolar. Controlei-me. Abri umas revistas, li e reli todas as letras gordas e semi-gordas enquanto tirava ideias para umas fotografias, viajei aos locais onde as fotografias seriam feitas, escolhi a hora do trabalho, calculei os valores aproximados de intensidade luminosa, escolhi as personagens e apresentei-lhes por e-mail o projecto, responderam, aceitaram, escrevi a pedir uns apoios… -Estás ai? (estremeceu-me) -Sim, (respondi-lhe eu ao berro em Dó de uma última oitava). Continua, estou a ouvir-te Beatriz. Continua.. Tirei os auscultadores, virei-me para um parede branca do escritório, dei-me pronto a um pouco de atenção, pelo menos a uma das partes do telefonema, não me fosse perguntar alguma coisa, alguma opinião. Seria inédito, no entanto apromei-me, prometi-me ficar atento, quem sabe, o assunto, desta vez fosse algo realmente importante. Pondero sempre a possibilidade de um telefonema importante feito por si, por isso a atendo. Basta um pequeno deslize de inocência a Beatriz Maria para que todos os seus momentos sejam apneias obstrutivas às suas conhecidas ideias de mudar o mundo. Esta é a realidade que a faz fazer-me constantemente chamadas. Quando Beatriz Maria decide tornar um momento seu de desespero num momento, para si, razoavelmente feliz e ainda assim as coisas se lhe apresentam pela mais rasa medida, Beatriz Maria liga-me, liga-me todos os dias, para me informar que se lhe rasgou a alma como se tivesse sido violada por um habitante do Congo. Sempre a considerei uma senhora, mas nunca uma senhora que se rasgasse ao ser violada. -… por agora, – diz-me já a cuspir-se – prefiro não acarinhar, nem apostar em nada que me possa sair em desastre. Decidi ser velhinha por uns tempos e tomarei só como frente de ataque as minhas felizes certezas. Uma mulher madura que abandona qualquer sentido de esperança, julguei eu. -Serei uma velha idosa aos trinta e dois anos e que decidiu trocar o risco pelo medo que o diferente me pode propor, consegues entender? (fingi que sim) – sim claro! - Podes escrever aquilo que te digo, tornar-me-ei a partir de hoje traidora das minhas certezas. Desisto de estratégias para as mudanças, serei a amante do cómodo e da passividade …(desligou a chamada). 
Beatriz Maria, adultera e corcunda Beatriz Maria. 
Assim te escrevo como pediste.

1 comentário:

erupção_do_ser disse...

Será que ela existe ou procura fazer-se existir!!

ao lado