Nas mãos viu o vazio
ao ler as linhas do amor e das vidas cada vez mais pequenas.
Pertencia às escolhidas para ser vivente de uma vida sem amor,
ou de amar abrasivamente, pelas esquinas dos dias, sem viver.
Como uma em cada mulher de cada família, de todas as famílias,
é uma mulher sem amor ou dos mortos. Tocou-lhe a si.
Sabia-o pelas mãos pequenas que pegaram do mofo uma fotografia. Olhava a fotografia.
Os tios e as tias numa idade de saltos altos misturavam-se numa mancha única como com as duas árvores e a sé por trás.
Uma imagem borrada de negro, aqui e acolá aclarada pela pouca luz do passado.
Olhava a fotografia e via o relógio da torre sineira, da torre de uma fé que já não reza, que parou, que perdeu os ponteiros.
No centro, bem no meio da imagem a sua pequenez, ela.
Ela menina de vestido longo sem quaisquer folhos de alegria perdida numa névoa negra prestes a cair.
Bastar-lhe-ia um sopro para que se fizesse mais perdida que o tempo.
Uma imagem perdida num dia sem horas, uma imagem moída onde os rostos dos tios e das tias e dos ponteiros fugiram dela,
uma imagem que lhe revelou uma mulher sem amor e sem vida.
No meio, bem no centro, sozinha de rosto nitidamente caído num vestido sem folhos nem flores de menina,
sozinha mesmo no dia em que engoliu pela primeira vez o corpo de cristo.
Sozinha menina olhava a fotografia e perdia-se sufocada no negro dorido da fotografia que lhe ia apagando as mãos.
1 comentário:
Fabuloso....
sg
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