Domingo há missa. Hoje, sexta-feira, é dia de Emília varrer os pátios da capela, sacudir os miúdos que, nas reentrâncias das pedras das paredes grandes, se encavalitam para fumar às escondidas. Diz-se que Emília acredita que, enquanto o pátio da capela for por ela limpo, terá o céu como destino, assim como outros inflamados regalos oferecidos na casa do padre. Depois de muitas nuvens de pó engolidas, pátios todos varridos e miúdos afastados, Emília enfia-se numa das reentrâncias para fumar quantas beatas possa e quantas tenham deixado acesas.Todos sabiam que a impostora do padre, a varredora dos pátios, fumava as pontas de cigarros por ali deixadas. As maiores, as grandes e interrompidas, levava-as de presente para o padre. Revoltados, os miúdos chamam-lhe: "Emília a chupista de beatas e de padres". Amanhã é sábado, é dia de confesso. Receosa que os lugares no céu fiquem lotados, diz-se, Emilia furará por entre outras mulheres e será a primeira da fila ao confessionário. De joelhos, rezará à sua maneira e à do padre. Diz-se que os sons das palavras, dentro do confessionário, são sôfregos, quase mortos, como se diz que é sempre ilibada de qualquer penitência. Livre de pecados, domingo, pela frescura do toque do sino, de roupa asseada, terço em punho, deslizará bem cedo corredor da capela acima, até à altura da comunhão. Em público, abrirá a boca e mostrará a língua ao padre até que ele rodopie um dos cantos dos lábios como sinal de permissão a uma noite de acasalamento. Deposita-se-lhe a comunhão. Emília é permitida ao céu. Diz-se que, até hoje, Emília já foi abençoada por muitas vassouras, muitas beatas, muitas gerações de miúdos e muitos padres que outrora ali foram miúdos viciados.
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